RETROSPECTIVA 2014: Os 10 julgamentos mais importantes do Supremo Tribunal Federal neste ano

(Parte II da Retrospectiva 2014 escrita pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em parceria com o advogado e professor Eduardo Mendonça, que, até agosto, foi chefe da assessoria do ministro no Supremo. O texto complementa a Parte I (clique aqui para ler)e traz a seleção de dez casos cujo julgamento já se encerrou e que se destacam entre os principais decididos pelo STF em 2014)
A seleção confirma o papel proeminente exercido pelo STF nos principais debates nacionais, da composição dos órgãos representativos à universalização do Direito Penal, passando pela efetivação do teto remuneratório dos agentes públicos e pela realização concreta da liberdade de expressão. A retrospectiva do Supremo, uma vez mais, é a retrospectiva de parte significativa do debate público no Brasil.

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Inconstitucionalidade da alteração das bancadas estaduais por ato do Tribunal Superior Eleitoral (ADIs 4.947, 5.020, 5.028, 5.130 e ADC 33, relator ministro Gilmar Mendes; ADIs 4.963, 4.965, relatora ministra Rosa Weber, julgamento conjunto concluído em 1° de julho de 2014).
Em um dos casos mais politicamente carregados do ano, o STF declarou a inconstitucionalidade do artigo 1° da Lei Complementar 78/93, que dispunha sobre o mecanismo de atualização das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados, bem como da Resolução 23.389/2013, do Tribunal Superior Eleitoral, que promovia redistribuição de cadeiras. Os diplomas questionados buscavam atender ao comando contido no artigo 45, parágrafo 1°, da Constituição, pelo qual se determina que o número total de deputados e a quantidade por estado sejam fixados por lei complementar, proporcionalmente às respectivas populações, procedendo-se aos ajustes necessários no ano anterior a cada eleição. Após fixar o total de 513 deputados e reproduzir os patamares mínimo e máximo fixados na Constituição, de oito e 70, o dispositivo legal atribuía ao TSE a tarefa de proceder aos referidos ajustes, tomando por base dados oficiais fornecidos pelo IBGE. Analisando um conjunto de ações sobre o tema, a maioria do tribunal assentou que a competência para efetuar os ajustes seria do Congresso Nacional, insuscetível de delegação ao TSE.
O fundamento central da corrente majoritária foi a tese de que a definição das bancadas envolveria uma dose inevitável de escolha política. Ficaram vencidos os ministros Gilmar Mendes, relator de parte das ações, e Luís Roberto Barroso, que consideravam válida a delegação. Segundo eles, caberia ao legislador estabelecer a quantidade máxima de deputados e fixar parâmetros básicos para a alocação das cadeiras entre os estados. A manutenção da proporcionalidade, porém, seria uma questão antes técnica do que política. Por isso mesmo, seria inapropriado condicionar a sua efetivação aos desígnios do Congresso Nacional, cujo equilíbrio de forças poderia acabar frustrando o comando constitucional. Ao final, sete ministros manifestaram-se favoravelmente a algum tipo de modulação dos efeitos temporais da decisão, sobretudo em face da proximidade das eleições. No entanto, como não se atingiu o quórum de dois terços, prevaleceu a visão de que inexistiria abalo à segurança jurídica no fato de se expurgar do ordenamento atos inválidos do TSE, baseados em delegação declarada inconstitucional.

Processos e inquéritos penais em curso não podem ser computados como maus antecedentes (RE 591.054, relator ministro Marco Aurélio, julgamento concluído em 17 de dezembro de 2014)
Em um ano de muitos julgamentos criminais rumorosos, um dos mais importantes, do ponto de vista principiológico, não causou tanto alarde. Em votação apertada, o STF manteve a sua jurisprudência no sentido de não ser possível considerar inquéritos e processos penais em curso como maus antecedentes, para fins de agravamento da pena. A posição majoritária foi conduzida pelo relator, ministro Marco Aurélio, que enfatizou a necessidade de decisão condenatória definitiva para que se afaste a presunção de inocência. A divergência foi inaugurada pelo ministro Ricardo Lewandowski, sustentando que o juiz poderia usar de seu prudente arbítrio para valorar o histórico de vida do apenado, sendo comum que a existência de um longo histórico de inquéritos e ações indique comportamento antissocial. Por esse ponto de vista — que foi seguido pelas ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e pelo ministro Luiz Fux — inquéritos e processos não poderiam constituir circunstâncias agravantes, mas tampouco poderiam ser desconsiderados.
A decisão foi relevante, também, para colocar em evidência a necessidade de que haja parâmetros minimamente objetivos para guiar a dosimetria, o que ficaria comprometido com a possibilidade de que cada juiz faça um juízo próprio acerca da ficha corrida do condenado. Ainda que seja impossível evitar que esse elemento influencie o convencimento geral do julgador, continua vedada a sua utilização como fundamento de exacerbação da pena. Um problema a ser enfrentado, porém, é a morosidade de inquéritos e ações penais, que acabam se superpondo sem que o Estado seja capaz de produzir juízos definitivos, absolutórios ou condenatórios. Isso indica, por si só, a incapacidade do sistema penal na prevenção e na resposta ao fenômeno da criminalidade. A solução para essa disfunção não deve passar pela relativização excessiva da presunção de não culpabilidade, admitindo-se que procedimentos inconclusos possam repercutir negativamente sobre outros em fase mais adiantada.

Discussão quanto ao papel do Senado Federal no controle incidental de constitucionalidade (Rcl 4.335, relator ministro Gilmar Mendes, julgamento concluído em 21 de março de 2014)
Após uma sucessão de votos-vista e quase sete anos, o STF concluiu o julgamento em que se propôs a rediscutir o papel do Senado Federal no domínio do controle incidental de constitucionalidade. Em linha de princípio, como se sabe, as decisões proferidas por essa via possuem eficácia limitada às partes do processo. A eficácia erga omnes e vinculante é própria do controle abstrato. A fim de ampliar o alcance das decisões proferidas no julgamento de casos concretos, o artigo 52, X, da Constituição, confere competência ao Senado para, por meio de resolução, “suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal”. O dispositivo foi introduzido originalmente na Constituição de 1934, quando o STF era desprovido de qualquer mecanismo decisório dotado de eficácia contra todos. Tratava-se, portanto, de um notável avanço. Na atual configuração do sistema brasileiro de controle, porém, a necessidade de interferência do Senado tornou-se claramente anacrônica.
É sobre esse pano de fundo que se desenrola o julgamento ora em exame. Confrontado com a decisão de um juiz que se recusava a seguir a orientação do STF em tema relevante[1], mas fixada em habeas corpus, o relator, ministro Gilmar Mendes, propôs uma releitura da matéria. Pela proposta, o artigo 52, X teria passado por uma mutação constitucional: todas as decisões tomadas pelo Plenário do STF no exercício da jurisdição constitucional teriam, por si mesmas, eficácia geral e vinculante. A atribuição do Senado deixaria de ser a ampliação da eficácia e passaria a ser, tão somente, uma forma de conferir publicidade ao que restou decidido. Tal orientação foi acompanhada pelo ministro Eros Grau, mas foi rejeitada pelos ministros Sepúlveda Pertence e Joaquim Barbosa, que endossavam a compreensão tradicional. O julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski, cujo voto posterior juntou-se à divergência e foi seguido por novo pedido de vista, agora do ministro Teori Zavascki.
Na retomada do julgamento, o ministro Teori procurou construir um meio-termo. De início, destacou a importância dos precedentes, sobretudo do STF, e a necessidade de que sejam observados pelas instâncias inferiores, sob pena de a corte deixar de cumprir a sua função institucional de guardiã da Constituição. Por outro lado, considerou impossível abrir a via da reclamação para a garantia de todas as decisões do STF, o que acabaria transformando-o em um tribunal executivo, encarregado da implementação capilarizada das suas decisões. Linha semelhante foi adotada pelo ministro Luís Roberto Barroso, que ressaltou a importância de se criar, no Brasil, uma cultura de respeito aos precedentes e destacou o mérito teórico da interpretação proposta pelo ministro Gilmar Mendes, mas considerou que ela seria incompatível com os limites semânticos do artigo 52, X. Com ligeiras variações, tal orientação foi reiterada nos votos subsequentes. Ao fim e ao cabo, portanto, manteve-se o convencimento convencional, pontuado pela mensagem institucional de que o respeito à jurisprudência do tribunais, e do Supremo em particular, é pressuposto para a efetividade e racionalidade do acesso à Justiça.

Inércia do juiz e independência do Ministério Público na Justiça Eleitoral(ADI 5.104, relator ministro Luís Roberto Barroso, julgamento concluído em 21 de maio de 2014)
Em um ano de natural protagonismo da Justiça Eleitoral, o STF foi chamado a rediscutir o sentido da inércia judicial e da independência do Ministério Público nesse domínio. O caso envolvia a Resolução 23.396/2013, do TSE, que enunciava uma série de normas a respeito das apurações criminais, incluindo a previsão, contida em seu artigo 8°, de que “o inquérito policial eleitoral somente será instaurado mediante determinação da Justiça Eleitoral, salvo a hipótese de prisão em flagrante”. O Procurador-Geral da República pedia a suspensão cautelar e, por fim, a declaração da inconstitucionalidade desse e de outros dispositivos da Resolução, sob o fundamento central de que seriam incompatíveis com o princípio acusatório, comprometendo a função institucional do Parquet.
A maioria dos ministros votou pela concessão da medida cautelar requerida, limitada ao referido artigo 8°. Prevaleceu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que apontou a invalidade de se condicionar a instauração de inquéritos a uma anuência ou requisição judicial, por duplo fundamento. Em primeiro lugar, o princípio acusatório é estruturado para assegurar a independência do próprio Judiciário, preservando a sua imparcialidade na maior medida possível. Em segundo lugar, o princípio busca a paridade de armas entre acusação e defesa, mantendo-as equidistantes em relação ao julgador. O relator ainda destacou que o legislador até poderia dispor de alguma margem de conformação na matéria, respeitados os requisitos mínimos do sistema acusatório. Em se tratando, contudo, de ato infralegal, a presunção de constitucionalidade seria reduzida e o exame deveria ser mais rigoroso. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, que ressaltaram as peculiaridades da Justiça Eleitoral, notadamente por conta do seu papel de conduzir as eleições.

Descabimento de ação rescisória quando a decisão transitada em julgado estava apoiada em jurisprudência do STF, posteriormente modificada (RE 590.809, relator ministro Marco Aurélio, julgamento concluído em 22 de outubro de 2014)                                 
Nesse precedente, o STF reiterou a dignidade intrínseca da coisa julgada, destinada a estabilizar as decisões judiciais em face de novos questionamentos. Na origem, cuidava-se de ação rescisória ajuizada pela União com o objetivo de desconstituir acórdão, favorável ao contribuinte, no qual se assentou o direito ao crédito de IPI relativo a insumos adquiridos em operações com alíquota zero. À época, prevalecia no STF o entendimento de que tal circunstância não suprimia o direito ao creditamento. Em momento posterior, contudo, o Tribunal mudou sua orientação e rejeitou pedido expresso para que a decisão fosse objeto de modulação temporal, permitindo que todas as questões ainda em aberto fossem resolvidas em favor da Fazenda Pública.
O que se discutia no recurso extraordinário envolvia um passo além, dizendo respeito à possibilidade de desconstituição de decisões definitivas baseadas na orientação anterior. Como se sabe, a Súmula/STF 343 registra o descabimento de ação rescisória quando a matéria fosse, à época do julgamento, controvertida nos tribunais. Apesar disso, o STF consolidou o entendimento de que o verbete seria inaplicável nas questões que envolvam matéria constitucional, dada a necessidade de se privilegiar a força normativa da Constituição. No caso de que se trata, porém, a maioria dos Ministros optou por prestigiar a regra da coisa julgada e o princípio da segurança jurídica, a ela subjacente, tendo em vista a peculiaridade de a decisão rescindenda estar alinhada com o entendimento do próprio Tribunal. Tal circunstância reforçaria a inexistência de violação a literal disposição de lei e a necessidade de se proteger a confiança legítima despertada pelas decisões, transitadas em julgado, que se limitavam a aplicar a orientação do STF.

Incidência imediata do teto remuneratório, com corte de excedentes (RE 609.281, relator ministro Teori Zavascki, julgamento concluído em 2 de outubro de 2014)
A implementação do teto remuneratório previsto na Constituição tem se revelado uma grande dificuldade prática. Após duas emendas constitucionais e outras tantas mudanças jurisprudenciais, o artigo 37, XI ainda não logrou impedir a manutenção de vencimentos acima do limite, seja pela construção de que determinadas verbas não se submeteriam à exigência, seja pelo entendimento de que os excedentes seriam insuscetíveis de corte imediato, por força da irredutibilidade prevista no artigo 37, XV. A fim de instrumentalizar essa segunda orientação, o STF estabelecera e vinha mantendo a regra de que o montante a maior deveria ser creditado como item destacado e nominal, a ser absorvido por futuros reajustes concedidos ao servidor.
Embora engenhosa, a solução projeta os pagamentos inconstitucionais no tempo e mostra-se pouco eficaz para lidar com valores elevados, cuja absorção demandaria muitos e significativos aumentos de remuneração. A nova orientação, firmada em recurso com repercussão geral reconhecida, determina o corte imediato dos excedentes. Essa foi a linha adotada pelo relator, ministro Teori Zavascki, que afastou a incidência da irredutibilidade sobre parcelas inconstitucionais. Ficaram vencidos os ministros Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski, fieis à jurisprudência anterior.

Uso da reclamação para proteger as liberdades de expressão, informação e imprensa (Diversas decisões monocráticas, sendo citadas no texto, em ordem de aparição, as seguintes: (i) Rcl 18.638, relator ministro Luís Roberto Barroso, decisão de 17 de setembro de 2014; (ii) Rcl 18.746, relator ministro Gilmar Mendes, decisão de 3 de outubro de 2014; e (iii) Rcl 18.836, relator ministro Celso de Mello, decisão de 28 de novembro de 2014)
Ao longo do ano, em diferentes contextos, ministros do STF proferiram decisões monocráticas para suspender atos judiciais aparentemente incompatíveis com as liberdades de expressão, informação e imprensa. Como regra, os paradigmas invocados têm sido a ADPF 130 — na qual o STF declarou não recepcionada a Lei de Imprensa e condenou a censura prévia — e a ADI 4.451, que suspendeu dispositivo da legislação eleitoral e assentou a liberdade das emissoras de radiodifusão para veicularem conteúdos humorísticos relacionados às eleições. As decisões reclamadas, por sua vez, cobriam uma ampla gama de situações: desde a proibição da circulação de periódicos contendo denúncias de corrupção — suspensa por cautelar concedida pelo ministro Luís Roberto Barroso — até a determinação de que programas de televisão fossem impedidos de veicular críticas a magistrado — suspensa por determinação do ministro Gilmar Mendes.
O conjunto de tais decisões parece sugerir a preocupação do STF com o esvaziamento pulverizado da liberdade de expressão. Esse é um risco potencializado pela combinação de dois fatores: de um lado, a recorrência e a multiplicidade de cenários em que a referida liberdade entra em potencial conflito com outros elementos constitucionais, notadamente os direitos à honra, à privacidade e à imagem; e, de outro, a falta de parâmetros claros para orientar o exame judicial desses conflitos, abrindo margem para considerável subjetivismo por parte dos julgadores. A resposta do STF a essa dificuldade, ainda que fragmentada, parece ser clara: a liberdade de expressão continua a ser a regra geral e as restrições é que devem ser excepcionais, exigindo fundamentações exaustivas. O recado foi particularmente enfatizado em decisão do ministro Celso de Mello, na qual assentou que “o exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação”.

Inconstitucionalidade do prazo de 30 anos para cobrança de valores referentes ao FGTS, fixando-se o prazo de cinco anos (ARE 709.212, relator ministro Gilmar Mendes, julgamento em 13 de novembro de 2014)
O STF declarou a inconstitucionalidade do prazo de 30 anos para a cobrança de valores referentes ao FGTS, previsto no artigo 23 da Lei 8.036/1990 e no artigo 55 do Decreto 99.684/1990. Prevaleceu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, pela incompatibilidade do prazo legal com o artigo 7°, XXIX, da Constituição. Trata-se do dispositivo que estabelece o prazo prescricional de cinco anos para a ação referente a créditos resultantes da relação de trabalho, até o limite de dois anos após a extinção do contrato laboral. Como fundamento adicional, o relator invocou o princípio da razoabilidade, uma vez que o prazo trintenário representaria uma restrição manifestamente excessiva ao princípio da segurança jurídica. Ficaram vencidos os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber, que privilegiavam a opção legislativa.
Também nos termos do voto do relator, vencido o ministro Marco Aurélio, a corte deliberou por efetuar a modulação temporal da decisão, notadamente por se cuidar de mudança na jurisprudência com relevante impacto na realidade. Para os créditos que venham a surgir daqui para frente, como é natural, aplica-se regularmente o novo prazo assinalado. Nos casos em que o prazo já esteja em curso, porém, será aplicado o lapso que for menor: trinta anos contados do termo inicial — ou seja, a regra anterior — ou cinco anos contados do próprio julgamento.

Prerrogativa das minorias parlamentares para efetuarem a delimitação de CPI (MS 32.885, relatora ministra Rosa Weber, decisão monocrática de 23 de abril de 2014)
 Confirmando e aprofundando uma notável tradição decisória do STF, a ministra Rosa Weber concedeu medida cautelar para garantir aos requerentes de CPI, no âmbito do Senado Federal, o direito de verem instalada a comissão com o objeto por eles delimitado. No caso, a maioria parlamentar pretendia estender o alcance das investigações para analisar não apenas os indícios de irregularidades na Petrobras, como queriam os requerentes, mas também outros possíveis esquemas de corrupção relacionados aos partidos que deflagraram o pedido original. Sem negar a possibilidade de que outras CPIs fossem igualmente instaladas, a decisão enfatizou a necessidade de que, atendidos os requisitos formais, as minorias parlamentares tenham condições institucionais de formatar investigações e exercer o seu papel de contraponto às maiorias.
A ampliação forçada do objeto enfraqueceria tal função, trazendo o risco de diluição das energias e atenções. Ainda mais quando se considera que a composição das comissões já induz a que os trabalhos sejam conduzidos pelos blocos majoritários, dada a regra constitucional de proporcionalidade em relação à distribuição de cadeiras no Plenário. Nesse contexto, a prerrogativa de delimitar o objeto da CPI ganha ainda mais importância e mostra-se indissociável do poder de requerer a instauração dos trabalhos. No limite, as minorias têm o direito, pelo menos, de forçar apurações indesejáveis e colocar as maiorias na condição de terem de se justificar publicamente. Sem maiores idealizações, não deixa de ser uma forma de colocar em prática valores relevantes do sistema representativo e da democracia deliberativa.

Racionalização da jurisdição em geral, e do STF em particular (Competência quanto aos atos do CNJ: AO 1814, relator ministro Marco Aurélio; ACO 1.680, relator ministro Teori Zavascki, julgamento conjunto concluído em 30 de abril de 2014; Necessidade de prévio requerimento administrativo para o ajuizamento de ações judiciais contra o INSS: RE 631.240, relator ministro Luís Roberto Barroso, julgamento concluído em 3 de setembro de 2014)
A necessidade de maior eficiência na prestação jurisdicional e, sobretudo, de devolução de funcionalidade ao STF tem ganhado espaço ano a ano. Com a chegada do ministro Ricardo Lewandowski à Presidência do Tribunal, o tema foi alçado ao status de prioridade ostensiva, que se manifesta, e.g., na preferência para o julgamento de repercussões gerais que estejam represando grandes volumes de recursos sobrestados, bem como na transferência de numerosas competências do Plenário para as turmas. Nesse esforço concentrado de racionalização, dois julgamentos merecem destaque. O primeiro delimitou a competência do STF em relação a ações ajuizadas contra atos do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, restringindo-a às de perfil mandamental (mandado de segurança, habeas corpushabeas data e mandado de injunção). Prevaleceu o voto dos relatores, ministros Marco Aurélio e Teori Zavascki, que sustentavam a necessidade de interpretação sistemática do texto constitucional e a desnecessidade de controle direto e imediato, em todos os casos, por parte do STF.
O segundo julgamento, proferido em recurso extraordinário com repercussão geral, assentou a necessidade, como regra, de prévio requerimento administrativo como condição para o ajuizamento de demandas contra o INSS. Prevaleceu o voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, que afastou a ocorrência de violação ao acesso à Justiça, que pressupõe a existência de uma pretensão resistida. Na prática, a medida visa a evitar que o Judiciário substitua as repartições públicas no recebimento originário de requerimentos administrativos, com prejuízo para a celeridade no processamento definitivo dos pedidos de benefício e das ações judiciais. A decisão teve importante impacto na redução do congestionamento dos juizados especiais federais. O relator ressalvou, contudo, os casos em que a Administração Pública tenha entendimento notório em sentido contrario à pretensão do administrado, situação em que o requerimento prévio seria uma mera formalidade. Ficaram vencidos a ministra Cármen Lúcia e o ministro Marco Aurélio, que consideravam a exigência incompatível com a garantia do acesso à Justiça.


[1] A questão de mérito subjacente envolvia a vedação à progressão de regime para os condenados por crime hediondo, prevista na Lei n° 8.072/90. Após uma sucessão de julgados em que afirmava a constitucionalidade da restrição, o STF modificou sua jurisprudência em sede de habeas corpus – no julgamento de um caso concreto, portanto. Apesar disso, a decisão foi claramente idealizada como precedente vinculante, sendo recebida como a nova orientação do STF na material. Isso não impediu que um Juízo de Execução proclamasse a sua não-vinculação formal e aplicasse a lei declarada inconstitucional. Daí o ajuizamento da reclamação pela Defensoria Pública.

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